28.12.08

brincadeiras

A Ju tem um blog delicioso: o coleção de brincadeiras.

http://colecaodebrincadeiras.blogspot.com/


Hoje ela publicou uma coleçãs das minhas.

26.12.08

minotauro

baobá

Foi num por do sol que a semente de baobá caiu no meu estômago.

(quando eu era pequena, achava que se comesse as sementes de tangerina ou de maçã ou de melancia, elas cresceriam dentro de mim, saindo pela boca)

pra um baobá crescer na gente, o corpo tem que estar muito terra sólida e forte. eu nunca fui terra. mas agora sigo em rumo ao sertão pra ver muito chão seco e, no fim de minhas andanças, vou desembocar no Rio São Francisco e me embeber dessa água boa. pra terra sorrir.

6.12.08

epifania.2

o egun me disse a que veio
porque ficava aqui, sempre aqui

tendo dito
e feito o nosso acordo
pode ir pro seu lugar.

eu nunca me senti tão leve em toda a minha vida.

3.12.08

o dia em que as fúrias me acordaram

de domingo pra segunda eu tive uma epifania


ali, no meio da multidão, de tanto suor, de tanto calor
foi ali que eu vi
as larvas se debatendo
e esse grandecíssimo açougue humano.

corri em direção ao meu buraco
tão bem olvidado pela gira do êxtase

acordei com as fúrias me gritando vida
morte
vida
acorde

acordo, sim. furiosa.

1.12.08

cansei desse açougue.

can-sei.

30.11.08

eu sou uma bola de pingue-pongue
em uma partida entre a
letargia e a paixão

26.11.08

pode vir

sinapses antigas

de algum momento em 2004


Já tinha arrancado tufos do próprio cabelo, roído as unhas até arder as carnes dos dedos e não comia e nem dormia e nem respirava de tanto que esperava o dia seguinte chegar. Era patético aquele estado, e às vezes ela dava uns cascudos na própria cabeça sentindo tanta tanta raiva por ser sempre tão honesta. Tinha que agir conforme sentia, não tinha outra escolha, e isso era tão egoísta e imprudente que merecia sim mais e mais cascudos. Tic tac tic tac. O dia seguinte não chegava. Talvez fosse melhor que não chegasse mesmo. As decisões já haviam sido tomadas, eram irreversíveis - e ela morria de medo de vomitar sinceridades sobre o bom senso.


Precisava dormir. Mas as sensações rodavam rodopiavam redemoinhavam e não paravam nunca como naqueles concursos nos quais quem dançasse por mais tempo ganhava um prêmio. Assim era. Ganhava olheiras.

Tic tac tic tac tic

Obsessão pelo tempo. Fitava o relógio e sentia o futuro passar. Gostava mais do ponteiro dos segundos, era mais rápido e dava 1440 voltas por dia. Invejava-o, a estúpida, mas era impossível não compará-lo ao ponteiro das horas, que demora tanto pra percorrer o mesmo percurso. Ela mesma demorava demais pra se rastejar por cada volta em si; ruminava as frustrações com seus três estômagos e a digestão era tão lenta, meu Deus, era interminável.

*Suspiro*

Deitou na cama, desarmada e inofensiva, quietinha esperando mais tempo passar - mais um pouco e estaria limpa novamente. O bom ficaria nas células, o ruim sairia na merda, é sempre assim. Questão de tempo. Não é?

23.11.08

meus olhos são aeroportos de cotovias esquivas

20.11.08

# das coisas que constituem o nosso caráter

quando eu era pequena, meus pais eram atores. bom, meu pai ainda é. ensaiavam em casa ou me levavam embaixo do braço para ensaios - sempre tem os atores com filhos pequenos que os largam nas coxias ao Deus-dará, e eu fui uma dessas.

1984, ensaiavam A feira do adultério. eu assistia sempre. meu pai fazia um viadinho que tinha um caso com o marido de uma mulher que um dias os pega no flagra (enfim...). todo mundo na delegacia, o viadinho ia falar e o delegado (Jofre Soares) gritava:

-CALA A BOCA, VIADO!

e meu pai

-viado não! eu sou andrógino.

(corta para)

EXTERIOR/DIA/ESCOLA- JARDIM II

roda com a professora e alunos falando sobre os bichos. a professora pede pros alunos darem exemplos de animais. os alunos entusiasmados:

cachorro!

gato!

urso!

baleia!

viado!

eu me levanto, muito brava, e grito:

VIADO NÃO! Meu pai é ANDRÓGINO.

19.11.08

um espermatozóide cósmico



para o projeto *parindo novos universos*
Shlink
Olha: o meu corpo está anestesiado - e a minha pele ficou insensível. A natureza fez a pele do homem fina demais para o mundo em que ele vive, e é por isso que o homem sofre tanto pra fazer ela ficar mais grossa. Isso podia ser muito bom, se pudéssemos deter o engrossamento, mas a pele encouraça-se, fica cada vez mais grossa. Vira pedra.

(de Na Selva da Cidade)

18.11.08

vai, me atropela!

êh boi

um tambor. sinto e ouço forte cada batimento cardiaco feito bumbo ecoando alto no espaço. o peito pegando fogo e derretendo a pele.

as bacantes destroçam o humano-boi.

êh boi, êh boi, êh boi, êh boi
ele não sabe que o seu dia é hoje
ele não sabe que o seu dia é hoje


o dundun das bacantes ressoou no coração, que ficou forte e alto, insuportável, reverberando no cérebro. não consigo ouvir mais nada.

é noite e chove. saio e sento embaixo d'água e choro, escorro um rio, viro pororoca. Êh boi, êh boi. não consigo pensar. uma piscina. tiro a roupa e entro n'água pra esfriar o corpo, mas o bumbo continua. até agora.

17.11.08

e nesse mundo velho sem porteira, eu sigo brincando de pega-pega sozinha.

15.11.08



primeiro a gente pula do banquinho da praça - e então aumenta as alturas gradualmente.
















(foto por André Cherri)

13.11.08

o caminho do amor pelo organismo

Supondo que os olhos sejam cavidades a serem adentradas
O sujeito entra
A retina, uma teia
O sujeito se prende
Supondo que o amor seja uma aranha imensa e os suspiros a matéria que produz a teia
O sujeito numa mais sai.


Se os giros cerebrais são o labirinto, o sujeito se solta e corre do córtex pré-frontal ao occipital, se esparrama em endorfinas e ri a toa, lambido em êxtase. Mas a aranha, ah... ela come pelas beiradas.

1.9.08

Um pulo sem saber onde está o chão, pelo prazer da queda livre e do vento na pele * Eu danço até o corpo deixar de ser meu, tomada pela entidade do tempo, que também deixa de existir * Sorriso de graça, abraço, beijo, me encanto e me embriago com a doçura disso tudo

21.8.08

sertão

O homem apareceu com aquela faca afiada que refletia vermelho, fez um corte vertical da glote até o estômago e
eu nem me assustei. Os flancos de carne e costelas se abriram e lá dentro era sertão. Noite e frio com um céu
cheio de estrelas e peixes e naquele chão seco cheio de feixes brotavam sussurros.

“Não há vagas aqui” ouviu-se de um rasgo, mas o homem já não podia ir mais embora, o corte fechou e trancado
ficou no vazio que ali de fora parecia tão bonito. A cada respiro um lamento, suspiro, gozo, sorriso, gemido.
No peito outro rasgo, a terra se abriu e ele foi engolido.

No sertão se ouvia baixinho mais um sussurro.

12.8.08

Urucum com gordura de anta para pintar os lábios e roçá-los na terra. A boca assim, da cor do solo, poderia soprar todos os ventos num sussurro doce e beijar e mastigar o planeta inteiro.

E se eu como o chão com minha boca pintada de semente? E se eu bebo o vento e as nuvens cheias de raios? E se essa eletricidade vira parte do meu corpo?

Dizem que a Terra foi feita com pedaços do corpo de um gigante.

Se for assim, ofereço o meu pra seguir soprando e chovendo sobre toda esta gente.

9.8.08

*

essa água que chove dentro só faz crescer o rio.

*

6.8.08

no cruzamento da Paulista com a Consolação

um menino muito muito sujo cochicha no ouvido de uma menina. ela grita. NÃO!
o menino abaixa a cabeça e diz pra dentro: será que eu sou tão feio?

olha pra mim. oi, posso te xavecar?
mas você precisa pedir?

me estende a mão e me dá um beijo no rosto

pelo menos você é simpática. eu é que eu estou imundo e fedido.

...

4.8.08

eu me entranhei no tempo feito melaço na pele. um tempo espesso que não corre e abafa os pulmões. vapor quente. não respiro. o tempo é uma névoa densa e eu já não vejo mais nada.

3.8.08

o céu e o inferno


# dos suspiros canibais

não que eu quisesse te engolir desde o primeiro minuto, isso não aconteceu, mas quis sim mastigar e guardar dentro a partir da 34ª hora. só um naco da tua carne pra ficar bem perto da minha apaziguando o sangue e tudo o mais que corre mais rápido por tua causa.

o que acontece quando uma pessoa vai passear no estômago da outra?

eu me imagino de maiô vermelho brincando de colocar a ponta dos dedos nos teus olhos-piscina, ainda me decidindo se vou mergulhar ou não, porque a água é fria e aqui fora está tão quente. me imagino menina passeando pela tua coluna vertebral, nessa árvore enorme que você tem aí, subindo nos galhos pra roubar maçãs. roubar um beijo. e mais maçãs. está tão calor aqui dentro. lá longe se ouve um bolero e eu danço e danço e danço, já é noite e há tantas estrelas pra olhar.

- dança comigo assim sob as estrelas?

- sim.

# dos suspiros intravenosos

Esperava em posição fetal, amuada, com a pele salgada, os olhos sangue, o coração chumbo e uma maçã-veneno no estômago. Esperava a campainha que nunca tocava. Esperava um hoje doce, uma alma nova para se encantar, uma boca que tivesse em seu interior uma orquestra imensa que lhe tocasse Stravinsky ou Gershwin ou Piazolla. Tati Quebra-Barraco também serviria. Pensou em ligar para o 102 e pedir o telefone do disk-coragem ou do disk-saída de emergência. Pagaria o serviço à vista, com um grito-redenção de mulher insone e sairia finalmente de seus lençóis saturados com o cheiro de um anteontem triste