Na madrugada de 10 de janeiro sonhei com um bicho que não existe e que se disfarçava de gato. Mas o jeito que o bichano andava estranhava nos olhos: desfilava-se com as partes internas visíveis, os ossos cartilagens vísceras músculos nervos se mantinham coesos em forma de corpo felino sem pele. Todas as intimidades vermelhas expostas sem constrangimento: primeiro porque os gatos não se constrangem, segundo porque entranhas temos todos nós.
Era bonito vê-lo ao contrário. A mim também interessa me desvestir dessa pele e estar do avesso em molde humano. Acho que a conversa entre a carne e o ar é de natureza semi-incendiária, é provável que arda um tanto, porque a gente nesse uniforme de epiderme se distancia um pouco do voo livre e se mantem sempre em temperatura segura.
No dia seguinte li um capítulo d'um livro moçambicano em que um velho de desossava para descansar; pendurava o esqueleto em uma árvore e quedava invertebrado feito molusco a sentir as carnes flácidas.
Talvez seja mesmo importante que cada criatura desmostrasse alguma coisa de quando em quando - revelando a si , em uma primeira espiada, de jeito grotesco; mas, diante de um olhar sensível, de jeito sincero. Eu sem casca pronunciaria esse rubro intimo igual o pseudo gato que me visitou o sono, que alguns até veem mas não são muitos. A pele faz o filtro do rosa, do marrom, do amarelo, mas é muito mais livre se revelar vermelho.