30.11.08

eu sou uma bola de pingue-pongue
em uma partida entre a
letargia e a paixão

26.11.08

pode vir

sinapses antigas

de algum momento em 2004


Já tinha arrancado tufos do próprio cabelo, roído as unhas até arder as carnes dos dedos e não comia e nem dormia e nem respirava de tanto que esperava o dia seguinte chegar. Era patético aquele estado, e às vezes ela dava uns cascudos na própria cabeça sentindo tanta tanta raiva por ser sempre tão honesta. Tinha que agir conforme sentia, não tinha outra escolha, e isso era tão egoísta e imprudente que merecia sim mais e mais cascudos. Tic tac tic tac. O dia seguinte não chegava. Talvez fosse melhor que não chegasse mesmo. As decisões já haviam sido tomadas, eram irreversíveis - e ela morria de medo de vomitar sinceridades sobre o bom senso.


Precisava dormir. Mas as sensações rodavam rodopiavam redemoinhavam e não paravam nunca como naqueles concursos nos quais quem dançasse por mais tempo ganhava um prêmio. Assim era. Ganhava olheiras.

Tic tac tic tac tic

Obsessão pelo tempo. Fitava o relógio e sentia o futuro passar. Gostava mais do ponteiro dos segundos, era mais rápido e dava 1440 voltas por dia. Invejava-o, a estúpida, mas era impossível não compará-lo ao ponteiro das horas, que demora tanto pra percorrer o mesmo percurso. Ela mesma demorava demais pra se rastejar por cada volta em si; ruminava as frustrações com seus três estômagos e a digestão era tão lenta, meu Deus, era interminável.

*Suspiro*

Deitou na cama, desarmada e inofensiva, quietinha esperando mais tempo passar - mais um pouco e estaria limpa novamente. O bom ficaria nas células, o ruim sairia na merda, é sempre assim. Questão de tempo. Não é?

23.11.08

meus olhos são aeroportos de cotovias esquivas

20.11.08

# das coisas que constituem o nosso caráter

quando eu era pequena, meus pais eram atores. bom, meu pai ainda é. ensaiavam em casa ou me levavam embaixo do braço para ensaios - sempre tem os atores com filhos pequenos que os largam nas coxias ao Deus-dará, e eu fui uma dessas.

1984, ensaiavam A feira do adultério. eu assistia sempre. meu pai fazia um viadinho que tinha um caso com o marido de uma mulher que um dias os pega no flagra (enfim...). todo mundo na delegacia, o viadinho ia falar e o delegado (Jofre Soares) gritava:

-CALA A BOCA, VIADO!

e meu pai

-viado não! eu sou andrógino.

(corta para)

EXTERIOR/DIA/ESCOLA- JARDIM II

roda com a professora e alunos falando sobre os bichos. a professora pede pros alunos darem exemplos de animais. os alunos entusiasmados:

cachorro!

gato!

urso!

baleia!

viado!

eu me levanto, muito brava, e grito:

VIADO NÃO! Meu pai é ANDRÓGINO.

19.11.08

um espermatozóide cósmico



para o projeto *parindo novos universos*
Shlink
Olha: o meu corpo está anestesiado - e a minha pele ficou insensível. A natureza fez a pele do homem fina demais para o mundo em que ele vive, e é por isso que o homem sofre tanto pra fazer ela ficar mais grossa. Isso podia ser muito bom, se pudéssemos deter o engrossamento, mas a pele encouraça-se, fica cada vez mais grossa. Vira pedra.

(de Na Selva da Cidade)

18.11.08

vai, me atropela!

êh boi

um tambor. sinto e ouço forte cada batimento cardiaco feito bumbo ecoando alto no espaço. o peito pegando fogo e derretendo a pele.

as bacantes destroçam o humano-boi.

êh boi, êh boi, êh boi, êh boi
ele não sabe que o seu dia é hoje
ele não sabe que o seu dia é hoje


o dundun das bacantes ressoou no coração, que ficou forte e alto, insuportável, reverberando no cérebro. não consigo ouvir mais nada.

é noite e chove. saio e sento embaixo d'água e choro, escorro um rio, viro pororoca. Êh boi, êh boi. não consigo pensar. uma piscina. tiro a roupa e entro n'água pra esfriar o corpo, mas o bumbo continua. até agora.

17.11.08

e nesse mundo velho sem porteira, eu sigo brincando de pega-pega sozinha.

15.11.08



primeiro a gente pula do banquinho da praça - e então aumenta as alturas gradualmente.
















(foto por André Cherri)

13.11.08

o caminho do amor pelo organismo

Supondo que os olhos sejam cavidades a serem adentradas
O sujeito entra
A retina, uma teia
O sujeito se prende
Supondo que o amor seja uma aranha imensa e os suspiros a matéria que produz a teia
O sujeito numa mais sai.


Se os giros cerebrais são o labirinto, o sujeito se solta e corre do córtex pré-frontal ao occipital, se esparrama em endorfinas e ri a toa, lambido em êxtase. Mas a aranha, ah... ela come pelas beiradas.