14.1.09

12.1.09

o avesso

Na madrugada de 10 de janeiro sonhei com um bicho que não existe e que se disfarçava de gato. Mas o jeito que o bichano andava estranhava nos olhos: desfilava-se com as partes internas visíveis, os ossos cartilagens vísceras músculos nervos se mantinham coesos em forma de corpo felino sem pele. Todas as intimidades vermelhas expostas sem constrangimento: primeiro porque os gatos não se constrangem, segundo porque entranhas temos todos nós.

Era bonito vê-lo ao contrário. A mim também interessa me desvestir dessa pele e estar do avesso em molde humano. Acho que a conversa entre a carne e o ar é de natureza semi-incendiária, é provável que arda um tanto, porque a gente nesse uniforme de epiderme se distancia um pouco do voo livre e se mantem sempre em temperatura segura.

No dia seguinte li um capítulo d'um livro moçambicano em que um velho de desossava para descansar; pendurava o esqueleto em uma árvore e quedava invertebrado feito molusco a sentir as carnes flácidas.

Talvez seja mesmo importante que cada criatura desmostrasse alguma coisa de quando em quando - revelando a si , em uma primeira espiada, de jeito grotesco; mas, diante de um olhar sensível, de jeito sincero. Eu sem casca pronunciaria esse rubro intimo igual o pseudo gato que me visitou o sono, que alguns até veem mas não são muitos. A pele faz o filtro do rosa, do marrom, do amarelo, mas é muito mais livre se revelar vermelho.

9.1.09

pequenas delicadezas no açude de cocorobó





tem uma hora do dia, pelas cinco da tarde, que a cor do céu e da água se equivalem. a água fica espelhada e dava era vontade de caminhar sobre ela, catando peixinhos pra dar boa tarde.

no céu há todos os tipos de azul e todos os tipos de nuvens. as mais bonitas são as do tipo cabeleira solta de menina esparramada, mais ainda que as nuvens-algodão.

tem esse tilintar do sino do pescoço das cabras que ressoa até no coração, como se o mundo estivesse mesmo em seu devido lugar porque as cabras seguem andando e buscando o que comer.

o sol refletido na água faz um rastro dourado em minha direção. um caminho amarelo para piruetas e muita dança.

sinto que meu peito vai ressentir a ausência de Canudos. a gente encontra o sertão no corpo e pronto, se apaixona.

indo embora e suspirando minha última visão do açude, o céu se pronunciou vermelho, sangrando o eu ir embora.

8.1.09

ser-tão, Canudos - Bahia



Canudos, 08.01.2008





O tempo respira na gente quando os sentidos deságuam. Quando cada entrelinha do nosso corpo-alma flutua no prazer do agora.

A quentura do ser-tão não deixa muita outra opção senão respirar o tempo. ou o tempo respirar em mim. A falta de juízo que dá o sol escorrendo e estalando em demasia sobre os miolos não deixa conchavar outra coisa que não a percepção do quente na pele. ou os sons das outras criaturas a sentir igual, ou os cheiros que o quente arranca de tudo, ou o desejo de encontrar logo a água.

Quando o sol se põe e ouve-se os sons aliviados das criaturas a agradecer o fresco, meu corpo ainda arde e aprecia o azul escuro. nesse azul se pensa melhor: consigo até juntar palavras pra dizer isso aqui.